DICIONÁRIO DO NORDESTE

Dicionário do Nordeste, do jornalista Fred Navarro, cresceu e será relançado

Fred Navarro, jornalista e escritor, nascido no Recife, iniciou sua carreira como correspondente do semanário “Movimento”, na década de 1970. Em 1988, mudou-se para São Paulo para trabalhar na revista IstoÉ.
Em um país de dimensões continentais como o Brasil, expressões comuns em uma certa região nem sempre são familiares a alguém de outra. Se imaginarmos um diálogo entre um pantaneiro do Mato Grosso do Sul e um sertanejo nordestino seria provável a necessidade de um intérprete.O trabalho prosseguiu por mais cinco anos. Navarro realizou inúmeras viagens ao Nordeste visitando cidades litorâneas ou do interior em busca de referências ou exemplos. Mergulhou em mais de mil fontes como o Dicionário de Câmara Cascudo, obras de Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, Gilberto Freire e Josué Montello. Investigou a literatura de cordel, filmes e ouviu muita música, de Luiz Gonzaga a Lenine, passando por Gilberto Gil e Chico Sciense. 

De origens diversas (portuguesas, indígenas, espanholas, africanas, francesas, holandesas, árabes, gregas ou inglesas) o acervo lingüístico da região ganhou uma roupagem local e personalizada, marcada pelo bom humor e picardia.

Num projeto mais ousado, em 2004, nascia o “Dicionário do Nordeste” (Ed. Estação Liberdade) com cinco mil palavras e expressões, em 403 páginas, ilustrado com xilogravuras a bico de pena de J.Borges. 

Das muitas lembranças guardadas, uma especialmente emocionou o autor: “no interior de Alagoas, fui apresentado por um amigo a uma professora que usava xerox das páginas do Dicionário para ensinar e manter a tradição entre seus alunos”. 

Sim, manter a tradição. É um trabalho de memória, por isso fundamental. Pois com a influência de novas mídias, como a TV, há palavras ou expressões que vão desaparecendo do Nordeste. Como exemplo, Fred lembra “bala perdida”, em lugar de “bala doida”, como se dizia há uns poucos anos. 

“Como a língua é um organismo vivo modifica-se a cada novo dia”, diz Fred. E de caju em caju, continuou coletando termos e expressões do cotidiano, da culinária, da flora e da geografia que vão da Bahia ao Maranhão para seu léxico. Consultou, também, uma rica e vasta bibliografia.
Em outubro próximo, a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) lança o Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro, agora com 900 páginas e dez mil expressões. Em cada apontamento há o registro de onde a palavra e/ou expressão é usada quase sempre seguida de uma referência de texto. A Cepe negocia, também, um pool com as editoras dos outros nove Estados do Nordeste. 

Com seus verbetes, a obra cumpre o exato papel de um dicionário: o de registrar e resgatar a rica e bem humorada conversação nordestina. 

“Cabra...se tu ficou abufelado por não compreender algo desse texto, não se avexe. Abra o gás até uma livraria, reserva teu exemplar e fique peixe”.

cabra - neste caso...leitor
abufelado – irritado
avexe - envergonhe
abra o gás – corra
fique peixe – fique tranquil

No convívio diário com as palavras – e nascido pernambucano, Fred acabou colecionando centenas de citações do cotidiano do Nordeste destrinchadas para os colegas da redação.

O que começou como uma curiosidade pessoal do jornalista transformou-se em seu primeiro livro: “Assim falava Lampião” (1998), uma compilação de termos e expressões empregadas por nordestinos. Alguns verbetes:

Acontecência – s.f. e adj. Assucedido s.m. e adj. N.E.Fato, acontecimento, evento. “Posso mesmo lhe dizer que a história da minha outra afamada pessoa é uma mistura de lenda inventada e verdade verdadeira, um enlinhado de acontecências que nem eu mesmo sei mais o que é de vera, o que é invenção” Roliúde, Homero Fonseca.

Bancar o cachorro de São Roque – fraseol – N.E. Querer ser o tal, botar banca, querer ser o que não é.

Cabelo de aratanha – s.m. N.E. Penteado esquisito, exótico assemelhado a um enorme camarão “Olha esse remelexo, cabelo de aratanha!...” – A bagaceira, José Américo de Almeida

Homeopatia – em Pernambuco é sinônimo de cachaça, pinga, pindaíba.

Em tempo: Fred é um tuiteiro porreta (@frednavarro)